quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Índice

v Texto introdutório
v A história da minha vida
v A história do vidro
v O vidro na Europa Central
v Região Demarcada do vidro da Marinha Grande
v Os equipamentos e as ferramentas para trabalhar o vidro
v A química do vidro
v As lutas dos operários vidreiros
v A evolução tecnológica do vidro e as suas consequências sociais
v A reciclagem, o meio ambiente e a higiene e segurança na industria vidreira
v Demonstração em contexto de trabalho
v Texto em Inglês
v Conclusão
v Poema “ Mãos Vidreiras”

Texto introdutório

Toda a minha vida tem sido feita de desafios, muitos conseguidos, outros nem por isso. No seu conjunto, considero que o saldo é muitíssimo positivo. Foi com esse espírito que entrei em todo este processo.
Aquilo que me propunha alcançar quando me inscrevi no processo de RVCC de 12º ano, teve o seu início em Setembro de 2006, quando iniciei o processo de RVCC para 9º ano. Esse foi, para mim, o ponto fulcral ou, poderei dizer, o mais importante de todo este percurso. Todo o trabalho desenvolvido para esse projecto foi realizado com muita dificuldade, mas o facto de ter conseguido concluí-lo com sucesso, motivou-me e serviu de estímulo para me aventurar neste outro projecto, que considero ainda mais ambicioso que o primeiro. Será sempre importante para mim, jamais irei esquecer todo o acompanhamento feito na altura pelos formadores que estiveram comigo, a sua dedicação, empenhamento e querer. Foi determinante, tanto para o meu trabalho, como para o de todos aqueles que, como eu, tiveram a coragem de se lançar nesta grande aventura.
Perante isto posso dizer que, aquilo a que me propunha agora, era tão somente terminar o processo de RVCC, a nível Secundário. Pode parecer imodéstia da minha parte, mas o meu sentimento será de que a parte mais difícil, foi a anterior.
Voltar a escrever textos em português, voltar à matemática, voltar a ver questões de cidadania, voltar a ler livros, entrar no mundo dos computadores, realmente o que me custou mais foi começar. Também estava a necessitar de provar a mim mesmo que, entrar nos cinquenta anos, não era o fim do mundo, antes pelo contrário, podia ser o princípio de uma nova era.

Com uma vida inteira a trabalhar na indústria vidreira, fazer um trabalho em que o tema fosse o vidro, era, no mínimo, um grande desafio. Mostrar as suas origens, o quanto é linda esta arte de trabalhar, mas também mostrar as dificuldades, as lutas dos operários vidreiros, as consequências sociais das inúmeras crises que, ao longo dos 260 anos em que se faz vidro Marinha Grande, têm atingido esta indústria.
Toda a organização do meu dossier, bem como os trabalhos desenvolvidos, foram feitos com base, primeiro, na minha própria experiência pessoal; em segundo, com muita leitura e pesquisa na Internet. Que maravilhosa é esta ferramenta de trabalho!

Espero que os leitores deste trabalho sintam o mesmo prazer a lê-lo, do que eu senti ao realizá-lo.

A história da minha vida

Escrever a história da minha vida não é tarefa fácil, pois corresponde a meio século de existência, repleta dos mais variados episódios, de vivências, aprendizagens e experiências que me conduziram ao homem que sou hoje!...
Há muitos anos li um livro, do grande poeta Chileno, Pablo Neruda, “Confesso que Vivi”, embora não tenha a pretensão de me comparar a Neruda, vou tentar seguir um pouco o seu raciocínio, Que neste caso será o meu, vou relatar os episódios mais marcantes da minha vida, para que, no final, também possa dizer: “Confesso que tenho vivido”.
Nasci no dia 29 de Novembro de 1955, na freguesia do Couço, concelho de Coruche. Fui baptizado com o nome de Alfredo Joaquim Poeiras. E refiro este facto, porque também ele parece ter querido marcar o meu percurso existencial, devido ao simbolismo desta aldeia.
A Vila do Couço é um símbolo da resistência ao fascismo. Em 10 de Junho de 2000, o Povo do Couço foi agraciado por Sua Excelência o Senhor Presidente da República com a condecoração: Membro Honorário da Ordem da Liberdade.

No início dos anos 60 os meus pais foram viver para o concelho do Bombarral, devido a essa situação fiz a 1ª classe na Escola Primária do Bombarral; o resto da escolaridade obrigatória foi feita na minha aldeia.
Nos anos de infância que vivi no Bombarral, lembro-me de dois episódios marcantes:
O nascimento do meu irmão e uma viagem de mota com o meu pai à prisão de Caxias, para fazer uma visita a dois tios e duas tias, presos políticos.
Como só os meus pais podiam entrar, pois tinha apenas seis anos, fiquei da parte de fora da prisão, sozinho, cerca de duas horas. Lembro-me, como se fosse hoje, que um guarda da GNR, foi ter comigo e me perguntou se eu tinha sede. Depois trouxe-me água numa caneca de barro.
Estas imagens da prisão recordam-me o rigor do regime que separou a minha família e me impediu de acompanhar os meus pais.

O ano de 1963 foi horrível para mim. Os meus pais separaram-se, o meu irmãozito faleceu. Eu fui viver para casa dos meus avós maternos, na aldeia do Couço. A minha mãe foi trabalhar como empregada doméstica.
Conclui o exame da 4ª classe em Julho de 1966, escolaridade obrigatória naquela época e, pelos motivos que anteriormente referi, esperava-me o mundo do trabalho. Vim então para a Marinha Grande, para casa de um tio, na companhia da minha mãe e aí ficámos a viver.
Criança que eu era, fui obrigada a transformar-me em adulto muito rapidamente. Uma semana depois, no dia 14 de Outubro de 1966, às seis horas da manhã, fui trabalhar para a empresa Crisal. Foi o primeiro dia, de toda uma vida que iria ser dedicada a trabalhar o vidro. Primeiro como aprendiz, a fechar o molde e a “levar acima”, depois, ao longo dos anos, percorri todas as categorias profissionais existentes na indústria vidreira, no sector cristaleiro, até chegar a oficial no ano de 1991.
Cedo aprendi a dureza da vida de um operário e senti a injustiça de receber um “magro salário”

O início dos anos 70, foi para mim um período muito importante. O homem que sou hoje começou a ser formado nesses difíceis anos.
Ainda com 14 anos, era na altura já colhedor de marisas, fui um dos impulsionadores de uma greve dos “miúdos” na Crisal. Nessa luta conseguimos um aumento salarial de 7$50 por dia. Na altura ganhava apenas 25$00 por dia, foi o início da minha tomada de consciência para o problema da “exploração” social.
Paralelamente ao mundo do trabalho, fui realizando outros sonhos. Em 1971 comecei a praticar futebol na Sport Lisboa e Marinha, tendo sido atleta desta instituição durante três maravilhosos anos. Pratiquei futebol, futebol de salão e pingue-pongue durante muitos anos.
Adoro o futebol, sou adepto do maior clube do mundo: o Benfica.

Em Outubro de 1973, comecei a envolver-me no combate político, contra a ditadura Fascista, primeiro no Movimento da Juventude Trabalhadora, depois na CDE (Comissão Democrática Eleitoral). Aconteceram então as últimas eleições do regime fascista, considerada por muitos, como sendo uma verdadeira farsa. A Marinha Grande foi uma das muitas localidades em que se tentou boicotar o acto eleitoral, em consequência disso o regime mobilizou as forças repressivas, para tentar travar o protesto.
Foram três dias de confrontos permanentes na rua. Num desses confrontos, fui atingido por uma “ chibatada” da polícia de Intervenção.
A partir desse dia, o regime fascista, ganhou mais um forte opositor.

Entretanto, em Março de 1974, o regime fascista agonizava, a guerra colonial ceifava vidas dos jovens Portugueses e Africanos.
A classe operária vidreira iniciava mais uma luta por salários mais justos e melhores condições de vida. Foram três dias de greve contínua, na frente dessa luta na Crisal esteve a juventude. Eu fui um deles!
Luta esta que antecedeu o 25 de Abril, marcado na minha memória e na de todos os que viveram essa data histórica, com esta música e letra que assinala o fim do regime fascista, em Portugal, pois ela foi a senha final que determinou a saída dos militares para as ruas de Lisboa.

Grândola Vila Morena
Letra e música de José Afonso
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordenaTerra da fraternidadeGrândola, vila morena
Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade

Após a madrugada libertadora de 25 de Abril, por diversas vezes fui abordado por militantes do Partido Comunista Português no sentido de me convencerem a aderir ao Partido. Na altura, não aceitei.
Durante vários meses, recolhi toda a informação possível sobre o PS e o PCP.
Oscilei entre um e outro partido. Posso dizer que foi o Dr. Mário Soares que me afastou do PS, num comício no pavilhão da Embra. Depois de ouvir atentamente o seu discurso, decidi que militante do PS não seria.

Ao longo dos anos fui desenvolvendo uma grande actividade sindical. Quando o sindicato dos vidreiros assumiu contornos nacionais, fui dos primeiros vidreiros a aderir.
Mais tarde, aquando da discussão da lei da Unicidade Sindical, as posições entre o PS e o PCP agudizaram-se; o PS contra e o PCP a favor. Foi então que tomei a decisão de aderir ao Partido Comunista Português, três dias antes do 18 de Janeiro de 1975.
Esta decisão iria mudar toda a minha vida durante mais de uma década, porque tudo aquilo em que me envolvo é de alma e coração e foi isso que aconteceu quando aderi ao Partido.
A minha consciência politica foi aumentando e dois meses depois tornei-me um dos fundadores da União das Juventudes Comunistas, passando a fazer parte da sua Comissão Central, cargo para o qual fui sendo eleito nos vários Congressos até 1982.

Esta militância no PCP, na UJC e mais tarde com a fusão das organizações de jovens do Partido na JCP, deu-me a oportunidade de conhecer vários países do campo socialista.
Visitei a Checoslováquia duas vezes, uma em 1975 e outra em 1976.
Em 1976 tive a oportunidade de visitar dois dos locais mais conhecidos da Checoslováquia:
- Lidice, a vila mineira que foi arrasada pelos Nazis, em 1942, depois de fuzilarem todos os homens, mesmo os mais jovens, de modo a exterminar toda uma classe operária.
- Terezim, campo de concentração Nazi, libertado pelo Exército Vermelho, em 8 de Maio de 1945.
Um mês depois de regressar da Checoslováquia, em Setembro de 1976, assentei praça na Armada Portuguesa. Devido a um problema grave de saúde, na semana anterior ao juramento de bandeira, entrei no hospital da Armada, tendo sido considerado incapaz para o serviço na Armada três meses depois.
Foi o fim da minha experiência militar.
Em Maio de 1978 visitei a Mongólia, numa delegação oficial ao Congresso da Juventude Revolucionária Mongol.
Visitei na mesma viagem, pela primeira vez, a URSS, embora só tenha estado em Moscovo.
Em 1979 voltei a Moscovo desta vez para estudar. Estive 7 meses no Instituto de Ciências Sociais de Moscovo.
O Partido Comunista, nos anos em que fui militante, dedicava bastante atenção à formação política e ideológica dos quadros operários, que era o meu caso. É do conhecimento geral as relações que existiam entre o PCUS e o PCP, havia um protocolo, entre as duas organizações, que levava, todos os anos, vários militantes do PCP a estudar em Moscovo.
No fundamental estudávamos história da URSS, Economia Política, Filosofia, Teoria e Táctica do Movimento Comunista Internacional.
Esta minha estadia na URSS, para além da parte teórica que tive, foi bastante importante para o conhecimento do povo russo, em tudo diferente do povo português: língua, hábitos, cultura, formação escolar, etc. Recordo que, em 1979, a escolaridade obrigatória já era o 10º ano. Os menos aptos não entravam no mundo do trabalho sem frequentar um curso profissional. Os que entravam na faculdade, se reprovassem sem justa causa, ingressavam nos cursos profissionais. Basta este exemplo para se compreender a distância cultural, ideológica e política a que estávamos deste povo, também fiquei a conhecer os princípios em que assentava a Economia Soviética, em tudo diferente da economia Capitalista.
Nessa estadia visitei Leninegrado e Baku.

Tive também o privilégio de assistir ao desfile do 1º de Maio, na Praça Vermelha, assim como à sessão solene do aniversário de Lenine, no Palácio dos Congressos do Kremilin.
Todas estas experiências foram extremamente enriquecedoras. Outra língua, outra cultura, outras “ gentes”, no extremo oposto da Europa, fizeram de mim um jovem ainda mais dinâmico e lutador.

De regresso a Portugal, em 1980, conheci uma moça natural do Alto-Douro, de uma freguesia do concelho de Alijó. Após um curto namoro de um ano, casámos em Maio de 1982.
Do nosso casamento temos uma filha linda, com 24 anos.
Já passaram 25 anos, de muitas alegrias, algumas dificuldades, mas no fundamental de muita felicidade, pois como já referi anteriormente, considero ser característica minha o entregar-me de alma e coração a todas as minhas opções de vida.
De entre as dificuldades recordo o ano de 1986, período muito complicado para mim e para a minha família. Em consequência das graves crises que atingiram a indústria vidreira, com vários meses de salários em atraso, com uma filha pequena, apartamento para pagar, vi-me na situação de rescindir contrato de trabalho com a empresa.
Trabalhava na Ivima desde 1974, altura em que os trabalhadores da Crisal foram transferidos para aquela unidade fabril.
Durante os anos em que trabalhei na Ivima, fui eleito várias vezes delegado sindical, assim como membro da comissão de trabalhadores, assumindo o papel de mediador entre o patronato e os trabalhadores e colocando em 1º plano a defesa dos direitos dos operários, que, como eu, procuravam dar o seu melhor contributo para criar riqueza na empresa.

Quando saí da Ivima, entrei também em rota de colisão com o Partido Comunista Português. Alguma desilusão que me acompanhava desde que voltei da URSS, também algumas quezílias políticas internas, levaram-me a pedir a minha demissão do PCP.
Embora continue a ser um homem identificado com os valores da esquerda, não milito em qualquer partido político.

Estive cerca de dois anos desempregado, até que em Março de 1988, passei a fazer parte dos quadros da empresa Marividros.
Em 1991 estive com licença sem vencimento durante 3 meses, a trabalhar na Alemanha, numa empresa da área do Cristal, tendo regressado à Marividros, até ao seu encerramento, em Junho de 2006.
Quando do encerramento da Marividros, voltei a ter mais um percalço na minha vida, como a minha esposa também trabalhava na empresa, ficamos os dois desempregados.
Embora eu tivesse voltado a trabalhar de imediato, o mesmo não aconteceu à minha esposa, que se encontra desempregada, desde essa altura. Em consequência desta situação, a minha esposa, que toda a sua vida tem sido de uma dinâmica extraordinária, entrou num processo de depressão nervosa, que não sei onde a conduzirá. Espero que com a minha ajuda, bem como dos familiares e amigos, ela consiga ultrapassar esta situação.
Infelizmente ela não é um caso único, pois a saúde física e mental dependem de variados factores, entre eles o direito ao trabalho e à estabilidade emocional. Segundo um estudo que vi há relativamente pouco tempo, esta é uma situação vivida por cerca de 2,5 milhões de Portugueses, um quarto da população Portuguesa, o que a avaliar pelos números crescentes e preocupantes do desemprego no nosso país, dentro em breve em vez de um problema passamos a ter dois: desemprego e saúde/ equilíbrio emocional dos cidadãos.
Na realidade a vida é uma luta constante pela sobrevivência e é nessa perspectiva que vamos vivendo o dia a dia, estando eu actualmente a trabalhar na empresa Crisvidro.

A partir da década de 90 a minha vida profissional tem tido vários motivos de grande interesse.
Em paralelo com a actividade industrial, comecei a ter uma actividade na área do artesanato em vidro.
Esta última tem-me levado a vários pontos do País e de Espanha, para realizar demonstrações ao vivo. Possuo um pequeno estúdio móvel que me permite apresentar as referidas demonstrações.
Esta actividade secundária, para além do prazer que me dá, possibilita-me ganhar mais uns “trocos”, sempre úteis, para quem não tem um ordenado elevado.
Actualmente o meu ordenado situa-se em 720€ líquidos, parece mentira, para quem está no topo da profissão e caminha para 42 anos como profissional, mas é a verdade nua e crua.
Como também comercializo as peças que executo, sou eu próprio que faço os orçamentos, em seguida apresento um orçamento pedido pela equipa do RVCC

Na sequência desta minha actividade, frequentei o Curso Pedagógico Inicial de Formação de Formadores, tendo começado a colaborar regularmente com o Crisform, tanto como formador, como na execução de peças em vidro.
Tenho 52 anos, mas já posso, confessar: “eu também tenho vivido”.
Em 2006 obtive certificação ao nível do 9º ano de escolaridade e desde logo assumi que iria continuar este processo de validação das minhas competências pessoais. Ao avançar para este trabalho, com vista a obter certificação de nível secundário – 12º, só podia seguir um tema:
O VIDRO.

A História do Vidro

Tentar fazer um trabalho sobre a história do vidro não será uma tarefa fácil. Pesquisar toda a informação e passá-la para um documento escrito, será complicado; porém, como sou uma pessoa de grandes desafios, aqui estou eu pronto para o trabalho!...
A minha grande preocupação é não conseguir desenvolver o tema com o devido valor que o vidro tem, tanto na cultura dos povos como na minha própria vida. Numa tentativa de fazer o melhor possível, decidi pesquisar e sintetizar o que de mais interessante encontrei, em vários sites da Internet, de modo a complementar a informação que já possuía.

As Origens do vidro
Para escrever sobre a história do vidro é preciso ir às suas origens e aqui surge logo a primeira grande questão.

Como foi descoberto e por quem?
Não há um consenso acerca das origens do vidro, embora duas ideias mais gerais apontem, para estas duas versões:
Alguns historiadores atribuem a descoberta do vidro a mercadores Fenícios, há mais de cinco mil anos. Esta teria ocorrido acidentalmente, quando atravessavam o deserto e utilizaram placas de nitrato de sódio, debaixo das panelas enquanto cozinhavam. No chão começou a aparecer um material que não conheciam, a que chamaram vidro.
Outra versão da história atribui a navegadores, também Fenícios, que ao acenderem uma fogueira na praia, onde havia duas das matérias-primas básicas da composição do vidro, (a areia e o calcário das conchas), observaram que com a acção do calor, se formou no chão debaixo da fogueira, uma massa incandescente a que chamaram vidro.
Há também historiadores que defendem que o vidro é uma invenção ainda mais antiga. Sustentam esta ideia com achados arqueológicos.
Embora não havendo consenso histórico sobre as origens do vidro, nem em relação ao século em que isso aconteceu, sabe-se que houve vários povos que produziram peças em vidro, 3000 anos antes de Jesus Cristo, nomeadamente:
Assírios, Fenícios, Babilónios, Gregos e Romanos.
O povo do Egipto foi dos que mais desenvolveu o fabrico de peças de vidro, nomeadamente peças de uso pessoal. Pois, já naquela época, faziam bijutaria em vidro. Foram encontradas várias peças de vidro no túmulo do Imperador Tutankhamon.
Para quem, como eu, trabalha diariamente com o vidro e conhece o esforço físico a que estamos sujeitos, incluindo as altas temperaturas, consegue ter uma pequena ideia do que era trabalhar o vidro há 3000 anos atrás.
Naquela época, a produção de peças de vidro exigia, certamente, um esforço terrível aos operários, na maioria escravos. A dificuldade em atingir as elevadas temperaturas que são necessárias, tanto para a fusão das matérias-primas básicas da composição do vidro, como para a fabricação das peças, decerto dificultava ainda mais o trabalho.
O Egipto foi dos primeiros países a introduzir a técnica do fole, adaptada aos fornos, para assim conseguir maiores temperaturas. Tornando a massa vitrífica (vidro) mais maleável, logo mais fácil de trabalhar.
O processo de fabricação de peças de vidro teve um grande impulso com a descoberta da Cana de Sopro. Segundo os historiadores esta descoberta aconteceu no século I antes de Jesus Cristo. Relativamente a esta descoberta, existe unanimidade: foram os Romanos, nos territórios que dominavam, até ao Médio Oriente, os primeiros a utilizar a “cana de sopro”. Tal situação passou a possibilitar a produção de peças de vidro em grandes séries, através do enchimento de moldes. O vidro até ai apenas era modelado.

O vidro na Europa Central

Os historiadores que, ao longo dos séculos, têm investigado o percurso do vidro, atribuem às cruzadas um papel muito importante, na divulgação, das técnicas do fabrico de objectos em vidro na Europa, sendo os cruzados os responsáveis pela chegada do vidro, nomeadamente a Veneza, nos séculos X e XI.
Durante a Idade Média a produção de artigos em vidro impôs-se um pouco por toda a Europa, o que originou, em alguns países, a criação de regiões que são conhecidas mundialmente pelos seus vidros, nomeadamente:
- Itália, Veneza e os vidros de Murano.
- Rep. Checa, Cristais da Boémia.
- Portugal, Marinha Grande.
Na investigação realizada, descobri uma informação que me pareceu interessante e que apresento a seguir:
No século XIII e devido aos incêndios que costumava haver em Veneza, por um lado, e para evitar que os seus mestres vidreiros fossem contratados para trabalharem noutros países, por outro, todos os fornos de vidro que existiam em Veneza, foram transferidos para a ilha de Murano.
Os artesãos/vidreiros, que iam trabalhar para a ilha de Murano, ficavam confinados a ela para o resto das suas vidas. Esta medida foi tomada para assegurar que os segredos da fabricação do vidro não fossem divulgados noutros países, chegando a haver vidreiros condenados à morte como traidores, assim como as suas famílias.
O vidro de Murano ficou famoso pela sua elevada transparência e pelas suas belas cores. Foi em Murano que o vidro artesanal teve um grande desenvolvimento até aos dias de hoje, mantendo a sua produção dependente do trabalho manual.
Um dos tipos de vidros mais famosos de Murano, são os Millefioris, que no essencial são várias camadas de vidros de várias cores sobrepostas.
A Boémia, a França, a Inglaterra e mais tarde Portugal, começaram a copiar aos poucos as técnicas utilizadas em Murano.
No século XVI, a Boémia começou a ser um dos maiores produtores de vidro na Europa, O seu vidro, uma mistura de, potássio e pedra calcária, tinha uma grande transparência, o que permitiu que se começasse a gravar e a lapidar o mesmo.

O vidro Doublé é um vidro clássico também da Boémia. As peças Doublé são compostas por duas camadas de vidro, a interior transparente, a exterior colorida. Ao serem lapidadas sobressai a decoração pretendida, sob um fundo transparente.

Quase todas as empresas Checas se situam na região de Jablonec.
Por volta de 1670 foi criado, em Inglaterra, o Cristal de chumbo. Foi seu criador George Ravenscroft. Com este novo tipo de vidro conseguiu-se uma grande transparência e brilho, o que tornou mais interessantes e valiosas, tanto a lapidação, como a gravação de peças de cristal.
A partir do século XVIII, o vidro começou a seguir dois percursos diferentes.
O artístico/artesanal, em que a componente manual é fundamental.
O utilitário, produzido em larga escala, com o apoio de tecnologia, nomeadamente o prensado.
No século XIX, o Norte-americano, Deming Jarves, começou a fabricar objectos em vidro prensado, com moldes em relevo.

Região Demarcada do vidro da Marinha Grande

Para realizar o trabalho sobre a região demarcada do vidro da Marinha Grande, parti do princípio de que a região demarcada do vidro está profundamente entranhada na história da Real Fábrica de Vidros, da Nacional Fábrica de Vidros ou Fábrica Escola Irmãos Stephens. Ao longo da sua história estes foram os seus três nomes.
A Marinha Grande é uma cidade, que foi primeiro de lenhadores, depois de vidreiros. Ao contrário de outras cidades e vilas de Portugal, que nasceram e cresceram à volta de uma igreja ou castelo, a Marinha Grande cresceu em redor de uma fábrica de vidros.
Ao longo da pesquisa que efectuei para este trabalho, encontrei vários relatos, afirmando que o fabrico de vidro, em Portugal, começou por volta do século XV.
A passagem de uma produção artesanal bastante limitada, para a produção mais industrial, foi muito lenta.
Embora conheça relatos que fazem referências à existência de pequenos fornos para a fabricação de vidro, entre os séculos XV e XVIII; irei, no entanto, destacar as duas regiões do País fundamentais para o desenvolvimento de indústria vidreira em Portugal: Coina e Marinha Grande.
Para se conhecer quais os motivos que levaram à implementação da indústria vidreira nestas duas zonas de Portugal, é importante conhecer quais as condições favoráveis que existiam nas mesmas. No fundamental eram duas:
- A primeira, era a madeira, para servir de combustível. As duas zonas tinham bastante. Em Coina a mata da Machada e na Marinha Grande o Pinhal do Rei.
- A segunda, eram as areias de origem caulina em Coina e na Marinha Grande as de origem siliciosa e a argila. No pinhal do Rei também havia muita Erva-Maçaroca, que era utilizada como carbonato de sódio.
Na freguesia de Coina, situada no concelho do Barreiro, entre 1719 e 1747, existiu a Real Fábrica de Vidros de Coina. Nos vinte e oito anos em que laborou, produziu essencialmente: vidro cristalino, vidro para janelas, (na altura eram muito usadas as janelas em guilhotina) e vidro verde para garrafas. O seu proprietário foi o cidadão Irlandês, John Beare.
Devido à ameaça de esgotamento do combustível (madeira) para alimentar os fornos, John Beare pensou e conseguiu deslocalizar a Real Fábrica de Coina, para a Marinha Grande assim como a tecnologia de que dispunha na altura.

No ano de 1748 iniciou-se na Marinha Grande a produção de vidro, nos primeiros anos, foi a continuação da tradição trazida de Coina.
Em 1769, a Real Fábrica de Vidros passou a ser propriedade do cidadão Inglês Guilherme Stephens que, com o apoio do Marquês de Pombal, de quem era amigo, conseguiu obter a permissão do rei D. José I para gastar toda a lenha do pinhal que fosse necessária para a laboração da fábrica, durante quinze anos; privilégio, que se tornou permanente, segundo o alvará Régio de 7-VII-1769.
Além disso, o Tesouro emprestou a Stephens, sem juros, a quantia de 32 mil reis (ceca de 150€ na moeda actual) para investimentos na empresa.
Sob a administração de Guilherme Stephens, a fábrica teve um grande desenvolvimento, vieram mestres vidreiros Ingleses e Italianos, para ensinar os vidreiros Portugueses.
Guilherme Stephens dedicou uma grande atenção à formação dos seus operários, assim como das suas famílias, tanto no ensino como na cultura. Conta-se que, o cultivo de alfaces, na região da Marinha Grande, começou também nessa época.
O primeiro forno de vidro, sob a administração de Guilherme Stephens, foi aceso em Outubro de 1769 e utilizado, em particular para produzir vidraça,
fabricada pelo processo de manga de vidro. Em 1770, foi aceso um forno para a produção de cristal.
Com a morte de Guilherme Stephens em 1802, a posse da Real Fábrica de Vidros da Marinha Grande, passou para o seu irmão João Diogo, que a manteve até 1826, altura em que a doou em testamento ao Estado Português, assim como todos os seus bens.
Com a tomada da posse da empresa pelo Estado Português, foram vários os gestores, assim como arrendatários, que passaram pela mesma. Irei salientar apenas alguns deles.
- 1827, a gestão da empresa foi entregue a uma sociedade em que o Barão de Quintela e o Conde de Farrobo, foram as figuras mais importantes.
- 1848, foi nomeado um negociante, Manuel Joaquim Afonso, pessoa muito bem relacionada dentro do poder central. A ele se deve a introdução da primeira máquina a vapor na empresa.
Apenas para se ter uma pequena ideia da importância que a Real Fábrica de Vidros tinha na Marinha Grande, apresento a evolução a nível de empregados ao longo dos anos.

Ano de referencia
Empregados
1840
276
1847
286
1852
304
1863
320
Em 1864, o Estado Português, arrendou ao Conde de Azarujinha a Real Fábrica de Vidros, para assim poder continuar em laboração.
No período entre 1864 e 1894, é instalada na empresa bastante tecnologia, nomeadamente, motores hidráulicos na máquina a vapor assim como vários mecanismos auxiliares.
Nessa altura, o número de operários, quase duplicou, em relação ao censo de 1863, (320). No entanto, começou a praticar-se a política de redução de salários aos operários.
A população da Marinha Grande sofre então um grande crescimento, são introduzidas várias melhorias, sobretudo nas vias de comunicação.
Após uma visita dos Reis de Portugal, em Agosto de 1892, a Marinha Grande passa a ser vila.
Nos finais do século XIX e princípio do século XX, com a grande procura de vidro em Portugal, foram criadas várias empresas, das quais vou destacar as mais importantes.
Tabela das empresas criadas nos finais do século XIX e princípios do século XX:

1889- Santos Barosa
1894-Nova Fábrica de Vidros Ivima
1894-A Central (actual Barbosa e almeida)
1899-Ricardo Gallo
1906-Guilherme Pereira Roldão
1906-Manuel Pereira Roldão
1913-Dâmaso (Vieira de Leiria)
1917-Marquês de Pombal (Crisal)
1941-Covina
1944-Atlantis , Cristais de Alcobaça
Em 1920, estavam em laboração na Marinha Grande dez fábricas de vidro, quatro em construção e uma projectada.
Em 1924, foi nomeado administrador da Real Fábrica de Vidros, o Eng. Acácio Calazans Duarte.
Calazans Duarte, é considerado o gestor mais importante que passou pela Real Fábrica de Vidros, o seu trabalho foi fundamental para a recuperação da empresa, praticamente arruinada aquando da sua nomeação.
Para além do seu papel como gestor, a ele se deve a primeira escola industrial da Marinha Grande, assim como a obrigatoriedade da escola para todos os menores que então trabalhavam na fábrica. Foi director da empresa até 1966.
Vinte e um, era o número de fábricas de vidro existentes na Marinha Grande, em 1948.
Em 1954, a Real Fábrica de Vidros da Marinha Grande, passou a chamar-se Fábrica Escola Irmãos Stephens.
Nos finais dos anos cinquenta, a F.E.I.S., (denominação porque começou a ser conhecida), iniciou um grande processo de reestruturação a todos os níveis, sendo de salientar, no que diz respeito à produção, que além do vidro tradicional, começou a ser fabricado outro tipo de vidro, criado por “designers” portugueses.
Entre eles destacam-se as colecções criadas pela arquitecta Carmo Valente e pela escultora Maria Helena Matos.
O museu do vidro já teve recentemente patentes ao público duas exposições, com peças destas duas designers Portuguesas.
Após o 25 de Abril, a F.E.I.S., torna-se empresa pública, (E.P.) mais tarde sociedade anónima, (S.A.), quando duma tentativa do Estado Português em a privatizar, em 1990.
Nessa altura sucederam-se os conflitos sociais internos a nível laboral, assim como as sucessivas mudanças de administração.
A F.E.I.S. foi encerrada por decisão do Conselho de Ministros em 15 de Maio de 1992. Era então Primeiro-ministro, o actual Presidente da Republica, Aníbal Cavaco Silva.
A Marinha Grande, jamais lhe irá perdoar!...
Com o encerramento da Fábrica Escola Irmãos Stephens, a Marinha Grande ficou órfão de pai e mãe. Este sentimento não é só meu, é o sentimento de milhares de Marinhenses, ou dos que não sendo Marinhenses, grupo onde eu próprio me incluo, foram adoptados por esta maravilhosa terra. O vidro corre-me nas veias em paralelo com o sangue!... O dia em que tive conhecimento da decisão de encerrar a F.E.I.S. foi dos piores dias da minha vida.
Para se poder analisar os números da crise que têm atingido o sector vidreiro, no subsector da cristalaria, apresento de seguida alguns dados para reflexão.
Nas décadas de 70 e 80, trabalhavam no sector cerca de 4000 trabalhadores. Só a Ivima, antes da crise de 1985/1986, tinha 1400 empregados.
Entre 1992 e 2006 encerraram 14 empresas de produção de vidro, entre elas a Marividros, empresa onde trabalhei 18 anos. Foram cerca de 2160 postos de trabalho que se perderam, são inúmeros os casos em que esta situação atingiu famílias inteiras.
Depois de uma grande tragédia, há que olhar em frente, ganhar ânimo, continuar a trabalhar e continuar a lutar porque a vida continua.
Actualmente existem em laboração 10 empresas, situadas no concelho da Marinha Grande, Alcobaça e Leiria. O conjunto destas empresas emprega actualmente cerca de 1100 trabalhadores.
Destas 10 empresas, apenas a Crisal da Marinha Grande e a Crisal Atlantis, fizeram parte do grupo das grandes empresas vidreiras anteriores à década de 80.
Gostaria de salientar que 90% da produção destas empresas se destina ao mercado Internacional: União Europeia, Estados Unidos, Brasil e Médio Oriente. A facturação anual oscila entre os 40 e os 50 milhões de euros.
Para já chega de escrita negativa. Vou tentar escrever a partir de agora sobre os aspectos positivos que a indústria vidreira tem tido ultimamente.
Durante as comemorações dos 250 anos da indústria vidreira em Portugal, em
13 de Dezembro de 1998, foi inaugurado o Museu do Vidro, pelo Senhor Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio.
O museu está instalado no antigo palácio da família Stephens, edifício construído na segunda metade do século XVIII, que tem um traçado arquitectónico neo-clássico, sendo composto por três pisos e dois jardins.
No dia da inauguração, o encenador marinhense, Norberto Barroca, levou à cena uma peça de teatro alusiva à época dos Stephens. Em conjunto com o grupo de teatro do Sport Operário Marinhense, esteve a trabalhar ao vivo uma obragem do século XVIII, a convite da responsável do pelouro da cultura da autarquia Marinhense. Essa equipa de trabalho no vidro foi por mim organizada.

Em 1999, é criada a Região Demarcada do Vidro da Marinha Grande.
Para aproveitar comercialmente a criação da região demarcada, é também criada, no mesmo ano, a marca Mglass.
Com os 260 anos de história, a região agora demarcada do vidro da Marinha Grande, torna-se uma das mais antigas da Europa, na tradição vidreira.
A criação da marca Mglass, que no início reuniu 23 empresas de produção e transformação de vidro, apostou na inovação e no design. Vieram até ao vidro, jovens designers portugueses, com ideias novas, que se apoiaram na grande experiência dos vidreiros portugueses. Conseguiu-se criar uma colecção muitíssimo boa. Desde há muitos séculos que o vidro, conjuga, saberes, arte, beleza e cultura. Para mim é como magia trabalhar o vidro.

Três conjuntos de peças da colecção Mglass, produzidas na empresa Marividros, local onde trabalhei 18 anos.
A obragem (equipa produtiva), da qual eu era o responsável, produzia normalmente peças destas colecções.
A colecção 6º sentido é da autoria da designer Rita Melo.
Rita Melo, 31 anos, natural de Lisboa, possui o curso superior de Design Industrial. Ao desenhar para a Mglass, da Marinha Grande, uma colecção de mesa denominada "6º Sentido", viu o seu trabalho incluído na lista "Design 100" da revista americana "Metropolitan Home". Colecção que também foi galardoada com o prémio "Design Plus", na Feira de Frankfurt, Ambiente 2004.

“ O vidreiro recorre à capacidade artística que não é necessariamente limitada por constrangimentos técnicos. A colaboração entre o vidreiro e o designer relaciona o “saber fazer" com o “saber o que fazer".

Fez-se na altura uma grande campanha promocional, nomeadamente em Portugal e nos Estados Unidos.

Alguma maldição deve perseguir o vidro e a Marinha Grande. O que no início parecia a luz ao fim do túnel, tornou-se na realidade num pesadelo. A marca Mglass teve pouco tempo de vida. Muitas dificuldades, muitos gastos desnecessários, apostas de mercado falhadas, nomeadamente o mercado dos Estados Unidos, arrastaram-na para o fim, mas penso que não definitivamente.
No ano de 2000, foi criado o Crisform. As instalações definitivas foram inauguradas durante o 3º salão Internacional do vidro, em 17 de Setembro de 2005.

O CRISFORM é uma entidade de direito pública, sem fins lucrativos, com autonomia administrativa e financeira, cuja principal atribuição é promover actividades de formação profissional para valorização dos recursos humanos do sector da cristalaria.
O âmbito de intervenção do CRISFORM é nacional e a sua sede social será, em instalações próprias, na Zona Industrial da Marinha Grande.


O Crisform, Centro de Formação Profissional para o Sector da Cristalaria, desenvolveu este ano (2007), um projecto para tentar recuperar a marca Mglass.
Os jovens designers portugueses merecem, os vidreiros e a Marinha Grande também.
Este projecto foi executado por mim e pelo meu grande amigo José Rosa. Obrigado ao Crisform e à Sónia.


A Marinha Grande há muito que reclamava uma escola, onde se pudesse ensinar a trabalhar, aquilo que é a sua alma: o vidro.
Com o Crisform abrem-se outras perspectivas, em relação ao vidro. Aqui se podem ensinar a todos os interessados as mais diversas formas e técnicas de trabalhar o vidro.
Costumo afirmar que o Crisform, para mim, foi criado com 30 anos de atraso, digo isto, mais como um lamento. No que me diz respeito, tenho tentado aproveitar o tempo de atraso, aproveitar as oportunidades que me têm sido oferecidas, tanto para a minha valorização profissional, como intelectual.
A minha maior alegria era ver que esta minha postura seria seguida por mais profissionais do vidro, mas este objectivo ainda não está conseguido.
Vai ser um processo lento, mas penso que, aos poucos, os que trabalham o vidro, vão acabar por descobrir o Crisform.
O vidro chegou à Marinha Grande há 260 anos, foram muitos anos de trabalho, de sacrifícios e dificuldades, muitos anos de luta.
A história da Marinha Grande, a passada e a mais recente, é a história do abrir e fechar fábricas de vidro. Tenho 52 anos de idade, vivo e trabalho na Marinha Grande há 41 anos.
Já vi fechar muitas fábricas, já fiquei duas vezes desempregado em consequência desses encerramentos. Mas também já vi abrirem mais de uma dezena de novas unidades industriais para a produção de vidro, será que é a sina desta terra e a minha?!
Hoje, para mim, trabalhar o vidro já é uma questão de teimosia, NO FUNDO É UMA GRANDE PAIXÃO, PORQUE TRABALHAR O VIDRO É UMA ARTE MAIOR.


Para ajudar a dar a volta à crise, resolvi seguir as novas tendências e criar um site e um blog na Internet, para divulgar as minhas peças, atrair novos clientes e tornar o meu trabalho mais visível. Internet permite levar o meu nome e o trabalho que desenvolvo, a qualquer parte do mundo. Esta é uma ferramenta que alarga enormemente as possibilidades comerciais de qualquer empresa. Apesar da Internet ter, como sabemos, vários perigos (basta lembrar a pedofilia e as fraudes) tem também o benefício de tornar o Mundo mais ”pequeno” e ficarmos mais próximos uns dos outros, neste mercado global.
Esta é uma arte da qual não abdico e que desejo projectar para além do espaço restrito do meu local de trabalho, como o pode demonstrar o meu site: www.poeirasglass.com.sapo.pt e ainda o blog: www.poeirasglass.blogspot.com

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Os equipamentos e as ferramentas para trabalhar o vidro

Quando temos uma peça de vidro nas nossas mãos, seja utilitária ou de decoração, na maioria dos casos não temos a noção dos equipamentos e ferramentas que são necessários para a sua execução.
Este trabalho será no fundamental para mostrar todo um conjunto de equipamentos e ferramentas necessárias para o fabrico de peças de vidro.
O vidro não existe na natureza, tal e qual o podemos admirar. É sim um conjunto de materiais fundidos a altas temperaturas, (mais ou menos 1450 graus). Esta fundição é geralmente feita em fornos, dos mais variados tipos e formas.
Os mais conhecidos são os fornos a tanque contínuos, os fornos com potes e as bacias.
Os fornos a tanque contínuos são os mais utilizados, tanto nas empresas que produzem embalagens de vidro, como vidro utilitário. Normalmente as empresas que utilizam estes tipos de fornos precisam de grandes quantidades de vidro fundido. O funcionamento destes fornos é simples: a composição química (mistura de várias matérias primas) é introduzida pela retaguarda do forno. Depois da fase de fundição, o vidro vai avançando no interior do forno até à zona de trabalho, pelo que nestes fornos é possível estar sempre a trabalhar.
Há fornos com as mais diversas capacidades. Actualmente o forno da empresa em que trabalho tem uma capacidade diária de 4 toneladas de vidro, mas há fornos para 100 toneladas diárias.

Nos fornos com potes ou bacias o processo é diferente. Em ambos os casos a composição química é introduzida pela boca do forno, que serve também de boca de colha ou trabalho. Depois de feita a fundição pode começar-se o trabalho.
O esquema é sempre o mesmo: o forno é cheio, faz-se a fundição, só depois se pode trabalhar. Estes dois géneros de fornos são geralmente pequenos, com capacidades que podem variar entre os 30 e os 500 quilos de vidro, também são utilizados para fazer os vidros de diversas cores.
A evolução, ao longo dos séculos, dos fornos para vidro foi muito lenta. Os Egípcios, por exemplo, foram os primeiros a usar o sistema de foles para aumentar a temperatura no interior dos fornos.
Os combustíveis utilizados ao longo dos tempos também foram sendo mudados. Durante muitos séculos a lenha foi o combustível de eleição.
Foi este foi o factor principal para a instalação, na Marinha Grande, da Real Fábrica de Vidros, assim como de todas as outras empresas vidreiras até aos anos sessenta, século XX.
Enquanto trabalhei na empresa Crisal, da Marinha Grande, entre 1966 e 1974, o forno principal da empresa funcionou sempre a lenha.
Outros combustíveis foram entretanto sendo utilizados: fuel óleo, nafta, gás propano, electricidade. Actualmente é utilizado o gás natural. Para aumentar a temperatura é utilizado ar ventilado e nalgumas empresas também oxigénio.
O pequeno forno que tenho para demonstrações é eléctrico. Atinge a temperatura máxima de 1300 graus e tem capacidade para 25 quilos de vidro.
No século I, a.C., deu-se uma das descobertas que mais revolucionou o fabrico de peças de vidro, a cana de vidreiro.
A partir dessa altura foi possível começar a soprar o vidro, o que possibilitou o fabrico de peças moldadas. Há vários tipos de canas, dependendo a sua utilização, do género de peças que se pretende fabricar.
A cana de colha, sopro ou do vidreiro, como se pode designar, é, no essencial, um tubo em ferro ou aço inox na versão mais actual. O seu comprimento pode variar entre o 1,30 m e o 1,80 m
A partir da altura em que se começou a poder utilizar a cana, começou a ser utilizada outra ferramenta fundamental no fabrico de peças feitas em série: o molde.
Os moldes tradicionais podem ser feitos a partir dos seguintes materiais: madeira, alumínio, aço e ferro fundido.
Os Stephens introduziram na sua época moldes de bronze.
Dentro das mais diversas formas, que os moldes proporcionam, quero destacar essencialmente dois:
- Os moldes de aço, que para quem trabalha no vidro, são conhecidos por moldes “parados”. Com eles podem ser moldados todo um grande conjunto de peças de vidro, das mais diversas formas e feitios: quadrados, redondos, com relevos, etc.
- Os moldes de madeira, talvez dos mais antigos, ainda hoje continuam a ser utilizados, por serem mais baratos e de mais fácil execução.
Todos os modelos novos que são idealizados, começam sempre por moldes de madeiras. São normalmente feitos em madeira de sobreiro ou plátano.
As peças de vidro feitas sem molde são as que requerem um maior número de ferramentas, das mais diversas formas e feitios. De seguida, apresento um conjunto de equipamentos e ferramentas, das mais utilizadas no vidro artesanal.
O último equipamento que apresento é dos mais importantes, no trabalho do vidro. Todas as peças em vidro, sejam elas produzidas industrial ou manualmente, têm de ser recozidas, para que o vidro possa libertar todas as tensões, o mais lentamente possível.
De seguida apresento uma escala com as temperaturas de recozimento mais utilizadas para o vidro comum. O recozimento é feito, geralmente em arcas de tapete contínuo ou muflas.

A química do vidro

O vidro é, na minha opinião e de mais uns milhões de pessoas, um dos mais belos materiais descoberto pelo homem.
A Química e a Física, consideram que o vidro pode ser definido como uma substância inorgânica, homogénea e amorfa, que é obtido através da fusão e resfriamento de uma massa à base de sílica.
O vidro é um dos mais fascinantes materiais que o homem pode trabalhar, por todo o mundo e em particular em Portugal, na Região Demarcada do Vidro da Marinha Grande. Todos os dias, a partir deste material, são criadas as mais lindas obras de arte.
O vidro permite uma infinidade de utilizações: pode ser modelado, soprado, moldado, cortado, colado. Com ele consegue criar-se uma quantidade enorme de objectos, que fazem parte do nosso dia a dia. Não consigo imaginar o que seria a nossa vida sem o vidro.
Mas, afinal, que material é este? Como se consegue a sua transparência e as suas cores?
Com este trabalho pretendo também mostrar a composição química, a partir da qual se obtém este material, descoberto acidentalmente há mais de 5000 anos.
O vidro é composto no essencial por três componentes fundamentais:
- A Sílica, introduzida na composição sob forma de areia, entre 60% a 70%, é o corpo do vidro e a parte vitrificante.
- A Soda, sob a forma de Carbonato Sódio numa percentagem de 15%, funciona como fundente, baixando o ponto de fusão da areia.
- O Óxido de Cálcio, sob a forma de Calcário, aproximadamente 10%, funciona como o estabilizante do vidro.
Estes são os componentes fundamentais, depois seguem-se outros óxidos que têm por missão melhorar as propriedades físicas do vidro e dar as colorações ao mesmo.
Os mais utilizados são: óxido de cobalto, selénio, cobre vermelho, carbonato de bário, carbonato de potássio, trioxido de antimónio, bórax anidro. No vidro que se pretenda ter uma cor opaca, é fundamental usar criolite (cerca de 25%).
Durante muitos séculos, as fórmulas para se conseguir vidros coloridos foram um dos segredos mais bem guardados, por quem tinha por tarefa fazer as composições químicas do vidro. Nos dias de hoje, com a evolução da química e com o potencial de experiências que se podem realizar, já não há grandes segredos a nível de composições químicas quer para conseguir vidros coloridos, quer para ou vidros transparentes, de qualidade.
As fórmulas químicas, que apresento em seguida, servem para fazer vidros coloridos. São uma pequena amostra das colorações que se conseguem fazer no vidro. Todas elas já foram feitas no Crisform.

As Lutas dos Operários Vidreiros

Para fazer este trabalho sobre as lutas dos operários vidreiros, baseei-me no essencial, em dois suportes.
- O primeiro, para fazer o trabalho sobre o 18 de Janeiro de 1934, recolhi informação no livro: “ Os antecedentes sociais do 18 de Janeiro de 1934, na Marinha Grande”, do escritor Hermínio Nunes.
- O segundo, a minha própria experiência. Tenho 52 anos de idade, mas já tenho 42 anos como operário vidreiro. De 1966, até aos dias de hoje, muitas foram as lutas em que participei, quer no período anterior ao 25 de Abril, quer posteriormente.
Este trabalho poderá não ser consensual, mas para tentar entendê-lo é necessário ter em consideração que ele foi escrito por um homem que desde menino foi operário, e que, ao longo da sua vida, sempre foi ou tentou ser um bom profissional, mas sem nunca abdicar dos seus direitos, tendo lutado sempre pelos mesmos. Porém, nunca esqueceu também os seus deveres, enquanto trabalhador por conta de outrem.
Para isso, muito contribuiu alguma formação a nível político e ideológico que fui adquirindo no período em que militei no Partido Comunista Português, tendo sido dirigente Nacional das Juventudes Comunistas. Também nesse período fui vários anos delegado sindical, do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira e membro da Comissão de Trabalhadores da Empresa Ivima.
Para mim, a luta de classes nunca foi uma questão secundária, ela tem estado sempre presente enquanto operário e pelo que consigo analisar ela vai continuar até ao fim da minha vida.

A data de 18 de Janeiro de 1934 ficará para sempre ligada à história dos vidreiros, em Portugal. Nesse longínquo dia, um punhado de homens, na maioria operários vidreiros, de armas na mão, lutaram contra um regime que viria a amordaçar o Povo Português durante 48 longos anos.
Para tentar perceber minimamente o que levou esses homens a seguir esse caminho, é preciso ver os antecedentes sociais, económicos e políticos que se viviam em Portugal e, em particular, na Marinha Grande, naquela época.
Com o derrube da Monarquia, em 5 de Outubro de 1910, instalou-se em Portugal uma República, que demorou muito a consolidar-se o que levou ao golpe de Estado de 1926.
Em 1930, uma profunda crise social atingiu a Marinha Grande.
“Década, após década, a história repete-se nesta terra, será sina”!...
Este foi também o ano em que a ditadura, saída do golpe de Estado de 1926, começou a estabilizar e a impor a sua lei.
Os anos 30 e 31 foram particularmente difíceis para quem trabalhava na indústria vidreira. Com o apagar dos fornos, o trabalho escasseava, em consequência a fome atormentava os vidreiros e as suas famílias. A solução, na altura, foi trabalhar no pinhal. José Gregório, destacado dirigente do Partido Comunista relatou, deste modo, em 1931, a situação vivida:
- Em virtude da crise que a indústria vidreira atravessa, uma grande parte dos operários vidreiros desempregados, conseguiu através dos seus protestos que o governo concedesse uma verba para realizar trabalhos no Pinhal do Rei, nomeadamente a abertura de caminhos.
Em 1931, com apenas 25 anos, Armando Correia de Magalhães, filho de uma família com tradições na lapidação do vidro e oriundos da fábrica da Vista Alegre, conseguiu unir as várias associações de classe que existiam na altura, num só sindicato vertical. Na época, era já um destacado membro do Partido Comunista.
Desta situação pode concluir-se que a criação do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Indústria do Vidro teve a orientação política do Partido Comunista.
Na época, e depois da reorganização do Partido feita por Bento Gonçalves, (Secretário Geral do Partido, até à sua prisão e morte no Tarrafal), há um rápido desenvolvimento do partido com a criação de inúmeras células e comités operários, um pouco à imagem dos comités Bolcheviques.
Entre 9 de Março e 24 de Novembro de 1932 teve lugar a maior e mais longa greve dos operários vidreiros, a greve dos Roldões, como ficou conhecida. Foi um marco histórico do operariado vidreiro. Muitas outras se lhe seguiriam.
A tuberculose foi durante décadas uma doença que afectou largas centenas de vidreiros e suas famílias, até meados do século XX. Ao colocar esta questão pretendo salientar o trabalho desenvolvido, neste campo, pelo Dr. Aníbal Couceiro Neto Guedes Coelho, no combate a este flagelo, ele que foi o responsável pela criação do Sanatório instalado na Marinha Grande.
Nos finais de 1932, princípio de 1933, o sindicato vidreiro fundou a 1ª Caixa Sindical de Previdência, com o intuito de ajudar e apoiar os operários vidreiros e as suas famílias, nas grandes dificuldades sociais e económicas. Foi fundada também uma escola para os aprendizes vidreiros.
Neste ano foi regulamentada a idade em que as crianças poderiam começar a trabalhar na indústria vidreira, na fábrica Marquês de Pombal, (Crisal) era de 7 anos já feitos.
Em 1966 era de 12 anos, mas, no meu caso assim como no de dezenas de outras crianças e também por necessidade, tenho de o dizer, eram admitidas com menos anos, desde que tivessem completado a 4ª classe.
O ano de 1933 trouxe a Portugal uma nova conjuntura política: O Estado Novo.
Em 23 de Setembro de 1933, foi o fim dos sindicatos livres e democráticos. Salazar, tendo como base a “Carta del Lavoro” de Benito Mussolini, publicou o decreto 23.048, instituindo o Estatuto do Trabalho Nacional, obrigando os sindicatos democráticos a ser encerrados.
Todos os trabalhadores ficavam obrigados a filiar-se nos sindicatos corporativos.
A direcção do sindicato vidreiro, avisada a tempo, fugiu para Espanha, no início de Novembro, para não ser presa.
No final de Novembro de 1933, a organização de jovens aprendizes da fábrica do Marquês, em resultado de uma greve organizada pela Juventude Comunista, foi presa e encerrada nas masmorras do Governo Civil de Leiria.
O Movimento Insurreccional de 18 de Janeiro de 1934, começou por ser uma tentativa Nacional de luta contra o Estado Novo. Por motivos diversos, e aqui não há consenso entre os historiadores, políticos e todos aqueles que de qualquer forma estudam esta questão, o que se sabe é que houve algumas lutas a nível Nacional, sem grande significado.

Na Marinha Grande, esta luta tomou proporções de Insurreição Armada, isto deveu-se a alguns factores fundamentais. A classe operária vidreira estava bem organizada, tinha sido bem “temperada” ao longo dos anos, nas diversas lutas sociais e económicas.
A fome, a miséria e a falta de liberdade, são as condições fundamentais para o início de qualquer revolução, em qualquer parte do Mundo.
Embora nem todos os participantes no movimento do 18 de Janeiro fossem militantes do Partido Comunista Português, é verdade que o movimento foi organizado e dirigido pelo Partido. Por muitos documentos da época este facto é indesmentível. Para a História ficou o fracasso da revolta, mas durante algumas horas, na Marinha Grande, o poder esteve nas mãos dos operários vidreiros.
As forças repressivas conseguiram dominar a insurreição, foram feitas dezenas de prisões, a maioria dos presos foram deportados para o campo de concentração do Tarrafal.
Nas comemorações do 18 de Janeiro de 1934, feitas este ano de 2008, o Município da Marinha Grande, fez a germinação com o Município do Tarrafal, Cabo Verde, como homenagem aos dois marinhenses que foram assassinados no campo de concentração.
Nas referidas comemorações tive também o prazer de reviver o percurso histórico feito pelos revolucionários naquela noite distante, iniciativa levada a efeito pelo Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira, com o acompanhamento do historiador Hermínio Nunes, autor do livro “Antecedentes Sociais do 18 de Janeiro de 1934 na Marinha Grande”, que também serviu de documento de apoio para a elaboração deste trabalho.

Dos 152 antifascistas que foram inaugurar o Campo de Morte Lenta, assim ficou conhecido, 57 eram membros do movimento do 18 de Janeiro.
António Guerra e Augusto Costa foram dois, dos trinta e dois antifascistas assassinados no Tarrafal. Para além destes dois, foram também assassinados Manuel Carvalho, que faleceu no Hospital de Leiria e Francisco Cruz que faleceu na prisão de Angra do Heroísmo.

A sua coragem, determinação e generosidade permaneceram na memória colectiva desta terra.
Este legado conquistou para a causa da liberdade e da democracia imensas gerações de jovens marinhenses, onde com imenso orgulho me incluo, sendo eu um filho adoptivo desta terra.
Ao longo dos anos e após o 25 de Abril, tive o prazer de conviver no dia a dia com alguns dos homens que tiveram, no movimento revolucionário do 18 de Janeiro, um papel de grande relevo. Gostaria de destacar, no geral, a sua grande humildade, os seus ensinamentos, a sua grande história de vida.
Daqueles com quem de mais de perto convivi, quero destacar o Adriano Nobre, o Jubileu, o Manuel Báridó e o João Bacharel, este último que viria a falecer em 5 de Janeiro de 2007.
No primeiro 18 de Janeiro, comemorado em liberdade, foram transladados da Checoslováquia, para a Marinha Grande, os restos mortais de José Gregório, um dos principais dirigentes e organizador do movimento. Nas cerimónias fúnebres e durante o trajecto entre o Centro de Trabalho do P.C.P. e o cemitério, fui um dos quatro jovens destacados para transportar a urna.

Estava quase no fim, o ano de 1966, precisamente em 14 de Outubro, quando comecei a trabalhar na empresa Crisal, “Marquês” como era conhecida.
Para mim, um garoto com apenas 10 anos de idade, (fiz 11 anos em 29 de Novembro), tudo era novidade. Nunca tinha estado ou visitado uma fábrica de vidro. Como sou oriundo do Ribatejo, as minhas raízes familiares estavam ligadas à agricultura.
Penso que tive uma adaptação rápida ao ambiente fabril. Para isso muito contribuiu a grande quantidade de “garotos” que, na altura, trabalhavam na empresa.
Comecei por “levar a cima” (esta tarefa consiste em transportar, num forcado, as peças em vidro acabadas de executar para a arca de recozimento). No segundo dia fui “ fechar o molde”, (esta tarefa consiste em molhar, abrir e fechar a forma, onde os moldadores sopram o vidro, para dar forma às peças pretendidas).
Ainda hoje estas duas funções fazem parte do quotidiano das fábricas de vidro, embora haja máquinas que desempenham esta tarefa, recorre-se com frequência a alguém que feche o molde.
Os primeiros anos de trabalho foram de alguma monotonia, embora fosse evoluindo com alguma rapidez na aquisição de conhecimentos, na arte de trabalhar o vidro.
Aos treze anos, era “caldeador”, (consiste em dar aquecimento às peças em fase de produção). Aos catorze, era “colhedor de marizas” (consiste em colher pequenas quantidades de vidro, para asas de canecas e jarros, pés para cálices, etc.).
A minha mãe e os meus avós maternos (os meus pais estavam separados desde os meus sete anos), sempre procuraram dar-me uma educação com valores, no sentido de me tornar uma pessoa responsável. Sempre me lembro de ter um espírito tipo “puto reguila”, ainda tenho um pouco desse espírito. Esta maneira de ser, trouxe-me alguns dissabores mas muitas alegrias e responsabilidades.
No início de 1970, “meti-me” na minha primeira grande confusão na empresa. Influenciados pelos vidreiros mais velhos, os aprendizes da fábrica Crisal iniciaram uma greve para reivindicar um aumento salarial.
Fui eu que nesse dia toquei o sino como sinal para começar a luta, ainda hoje tenho a noção que o fiz conscientemente.
Nesse mesmo dia os aprendizes da Ivima, no turno da manhã, tinham feito o mesmo. Em consequência disso foram despedidos, cerca de trinta.
Foi a minha primeira grande “prova de fogo”. À partida tínhamos o apoio e solidariedade dos vidreiros mais velhos, tínhamos a sua palavra de que não trabalhariam sem os aprendizes todos, não aceitariam despedimentos.
Sempre houve uma grande diferença, na disposição para lutar, entre os trabalhadores vidreiros da Crisal e da Ivima. Nunca encontrei explicação para este factor, ao longo dos anos.
Fomos recebidos pelo Administrador da Crisal, na altura era o senhor João Rosa Azambuja. Lembro-me de ele ter perguntado qual era o motivo da nossa paragem e de eu lhe ter respondido que ganhávamos pouco e queríamos ser aumentados, senão não pegaríamos ao trabalho.
Depois de ter chamado o responsável do escritório e com ele ter conversado algum tempo, disse-nos: “Vão trabalhar. Sexta-feira vão receber mais 7$50 por dia, (naquela época recebíamos à semana).”
Esta greve ficou conhecida pela greve dos “sete e quinhentos”.
A partir desse dia, ganhei o respeito dos meus colegas, tanto dos mais velhos como dos mais novos, tenho confirmado isso ao longo da minha vida.
Esta foi a primeira luta reivindicativa em que me envolvi e estive na linha da frente. Muitas outras se seguiriam ao longo dos anos.
A partir de 1973 e com o meu envolvimento no M.J.T., (Movimento da Juventude Trabalhadora), na campanha da CDE, nas últimas eleições (farsa) levadas a efeito pelo regime de Caetano, comecei a ganhar uma maior maturidade e a adquirir conhecimentos a nível social e político.
O Regime dava sinais claros de não conseguir travar as lutas dos trabalhadores. Cinquenta sindicatos onde os trabalhadores já tinham conseguido eleger direcções de sua confiança, tinham fundado, em 1 de Outubro de 1970, a Intersindical.
Em 13 de Março de 1974, todas as empresas vidreiras da Marinha Grande iniciaram aquela que foi a maior e a última greve feita pelos vidreiros, no tempo da ditadura fascista.
Embora a Marinha Grande, nos três dias em que durou a greve, estivesse ocupada pelas forças repressivas, (polícia política e de intervenção), instaladas no antigo matadouro, junto à Fábrica Escola, o levantamento militar das Caldas da Rainha, em 16 de Março, ajudou imenso à nossa vitória e à conquista de 60$00 diários por pessoa, (só para se ter uma noção desta vitória, eu, antes da greve, ganhava 57$50 diários, passei a ganhar mais do dobro), ou seja 117$50.
Tenho imensa pena de não ter documentos que comprovem esta situação. Esta greve foi decidida em plenário geral de trabalhadores vidreiros, realizado na sede do Sport Império Marinhense, na noite anterior. Na Crisal, em conjunto com os outros jovens, fui eu que iniciei a luta.
Desta greve até à madrugada libertadora do 25 de Abril, foi um salto muito rápido.
No período após o 25 de Abril e nos anos que se seguiram, os trabalhadores portugueses em geral e os que trabalham no sector da cristalaria em particular, tiveram um papel fundamental nas lutas para garantir que o 25 de Abril não andasse para trás. Na organização e direcção destas lutas esteve sempre envolvido o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira.
Em Outubro de 1974, com o início da produção automatizada na Crisal, todos os trabalhadores do sistema manual foram transferidos para a Ivima, para um forno de grandes proporções, que ficou conhecido pelo “forno sete”.
Passaram a trabalhar na Ivima perto de 1400 trabalhadores. Para mim foi o princípio do fim da empresa.
Em 1975, penso que devido à minha forma de ser e de estar, e pelo prestígio que ao longo dos tempos tinha granjeado junto dos meus camaradas de trabalho, fui eleito pela primeira vez, com vinte anos de idade, delegado sindical, tendo sido reeleito diversas vezes, até sair da Ivima, por altura da crise de 1986, (estive, tal como os outros trabalhadores nove meses com salários em atraso).
A juntar a esta responsabilidade, fui eleito também para a Comissão de Trabalhadores, por diversas vezes. Num dos mandatos, e por ser o número um da lista vencedora, fui o Coordenador da Comissão de Trabalhadores e Coordenador Distrital das Comissões de Trabalhadores de Leiria.
Pela minha experiência, cheguei à conclusão que, ao longo dos anos, os trabalhadores para conseguirem aumentos salariais e outras regalias sociais, sempre tiveram de lutar por elas. Neste aspecto, a forma de luta de eleição é, sem qualquer dúvida, a GREVE. Nunca consegui, até hoje, qualquer aumento salarial sem ter de recorrer a ela.
Muitas vezes os trabalhadores são acusados de recorrer à greve, mas penso que os principais responsáveis por esta situação são os empresários. Normalmente não aceitam soluções de compromisso nem diálogo. Aos trabalhadores não resta outra solução que não seja a luta.
Na crise que a Ivima atravessou em 1986, os trabalhadores utilizaram as mais diversas formas de luta para tentarem evitar o encerramento da mesma, desde as marchas a pé a Lisboa, aos cortes das vias de comunicação, (tanto a via férrea da linha do oeste, como a Estrada Nacional 242), entrar dentro da Assembleia da República e incomodar os Senhores Deputados com a distribuição de um documento em que se denunciava a situação que se vivia na empresa. Quando desta última forma de luta, o senhor Presidente da Assembleia da República mandou encerrar a mesma, tendo recebido ordem de prisão, 16 trabalhadores que foram enviados para a polícia judiciária e libertados ao fim de algumas horas.
A mais grave e complicada situação vivida na altura, foi quando o administrador da empresa, o Sr. Jorge Raposo de Magalhães, se auto encerrou na mesma, para posteriormente chamar a polícia de intervenção, com o argumento de o libertar. Foi o momento mais crítico da crise da Ivima, com um forte corpo de polícia e milhares de trabalhadores na rua. Felizmente, nesse dia, não chegou a haver confrontos.
Em resultado dessa crise, a Ivima, que tinha na altura 1382 trabalhadores, ficou com cerca de 350. Manteve-se em laboração mais alguns anos até ao seu encerramento.
Em 1992, quando do encerramento da F.E.I.S., embora houvesse algumas paralisações e protestos e, porque os trabalhadores foram indemnizados, de acordo com a lei, não se verificou grande agitação social, como por exemplo quando da empresa Manuel Pereira Roldão.
Em 1994, na crise da M.P.R., a Marinha Grande assistiu àquela que foi, sem dúvida, a mais grave das situações vividas quando do seu encerramento.
Foram muitos dias de luta, muitos confrontos com a polícia de choque. Em consequência da última intervenção da polícia de choque gerou-se uma enorme onda de solidariedade que abrangeu, não será exagero dizer, toda a população da Marinha Grande, com os comerciantes a fecharem as portas dos seus estabelecimentos; os trabalhadores a paralisarem o trabalho e a virem para a rua protestar.
Nessa carga policial ninguém foi poupado: invasão do Quartel dos Bombeiros Voluntários em perseguição dos populares que lá se refugiaram, bem como a igreja da Marinha Grande, até o Sr. Padre foi agredido.
Alguns dias antes já tinha havido uma carga policial, na altura com invasão da Câmara Municipal.
O canal de televisão SIC fez um documentário sobre esta luta e há algum tempo atrás, no programa Perdidos e Achados voltou a passá-lo em horário nobre, para que a memória se mantenha. O meu muito obrigado aos responsáveis pelo documentário.
Em resultado desta luta, o governo decidiu apoiar o sector da Cristalaria. Dentro deste projecto foi criada a empresa “Mandata”, para onde foram transferidos a maioria dos trabalhadores da Manual Pereira Roldão. A Mandata apenas laborou três anos.
No dia 29 de Maio de 2006, tive mais um revês na minha vida profissional, com o encerramento da empresa Marividros, onde trabalhei dezoito anos. Embora fosse uma morte anunciada há algum tempo, é sempre difícil para alguém que, como eu, se dedica com enorme paixão à profissão que adora.
Neste encerramento não houve luta. Hoje em dia as condições são muito diferentes das existentes há alguns anos.

Ao acabar este trabalho, não sei se consegui transmitir toda a minha experiência e todas as minhas vivências. No entanto, continuo a acreditar que a luta de classes terá de ser vista como o motor de desenvolvimento da sociedade. Não acredito que a sociedade Capitalista seja o objectivo final, haverá sempre quem queira uma sociedade mais justa e fraterna, com menos desigualdades sociais, onde os senhores da guerra não tenham o poder de decidir o futuro da Humanidade, onde o homem não seja o explorador de outro homem.
Nada custa sonhar, como diz o poeta António Gedeão: “Enquanto o homem sonha, o mundo pula e avança, como bola colorida entre as mãos de uma criança”.
Não sei o que o futuro me reserva, apenas sei que tenho quarenta e dois anos de profissão, sou, sem qualquer espécie de vaidade, um óptimo vidreiro, com bastantes conhecimentos a nível do trabalho do vidro manual e, neste momento, encontro-me a trabalhar, com um contrato a prazo de seis meses renováveis.
Esta situação deve-se à crise que a indústria vidreira tem vivido nos últimos anos e à falta de cultura empresarial por parte dos actuais empresários do vidro na Marinha Grande.

A Evolução Tecnológica do Vidro e as suas Consequências Sociais

Durante séculos a produção de peças de vidro foi exclusivamente manual, embora no século I A.C., com a descoberta da “cana de sopro” e com a introdução de moldes, tivesse havido uma grande revolução na fabricação do vidro.
No século XVIII, com o início da Revolução Industrial, o trabalho na indústria vidreira sofreu uma grande evolução, podendo dizer-se, um pouco por todo o mundo.
A partir dos meados do século XVIII, a introdução de moldes de aço, quer para produzir peças prensadas, quer no fabrico de embalagens por acção do sopro, trouxe algumas consequências negativas aos artesãos vidreiros da altura.
Com estes moldes houve um grande aumento da produção em série, o que levou, para além do trabalho rotineiro, ao intensificar do ritmo de trabalho.
Começou também a surgir na indústria vidreira um novo grupo de operários, que se especializaram no trabalho com máquinas.
Durante o século XIX, começou a haver, um pouco por todo o mundo, a transformação da produção vidreira. Uma indústria mais moderna, mecanizada, e automatizada, começou a surgir.
A evolução tecnológica levou também à construção de fornos de maiores dimensões, em consequência do aumento da produção de peças de vidro.
O vidro trouxe também ao mundo uma grande evolução e desenvolvimento nas áreas das ciências, biologia e no estudo do cosmos. O que seria destas ciências sem os microscópios, telescópios, termómetros, tubos de ensaio e lâmpadas, só para citar alguns exemplos.Todos eles têm como base a utilização do vidro, sob as mais diversas formas.
Dois mil anos foi o tempo que separou a descoberta da cana de sopro daquela que seria a descoberta mais revolucionária na produção do vidro plano: o sistema Float.
Será exagero fazer esta afirmação. No entanto é inegável que a partir desta descoberta, em 1959, altura em que a empresa Inglesa Pilkington, introduziu o processo Float, a fabricação do vidro plano nunca mais seria a mesma.
As empresas que produziam vidros planos, à escala mundial, seguiram este processo, ganharam em qualidade e preço, aniquilando por completo o fabrico manual nesta área do vidro.
Este processo acabado de descobrir, foi de fácil utilização e adaptação a todas as empresas, tendo-se tornado dominante em todo o mundo, em menos de duas décadas.
O sistema consiste em verter o vidro, em estado líquido, num tanque com estanho aquecido, onde ele flutua. Consegue-se, com este processo, fazer chapas de vidro plano de enormes dimensões, espessuras, cores e de qualidade superior.
Para trás ficou o sistema de rolos e a manga de vidro aberta, sistemas até aí utilizados.
Em Portugal, a Covina, empresa pertencente ao grupo Saint-Gobain, nasceu com a fusão das várias empresas que se dedicavam ao fabrico de vidro plano pelo processo manual do cilindro soprado, (manga de vidro).
Nas antigas instalações da Covina na Marinha Grande, funciona actualmente a sede social do Sport Operário Marinhense.
Outra das grandes áreas do desenvolvimento tecnológico do vidro deu-se no sector da cristalaria, no vidro utilitário.
Na minha história como vidreiro, assisti a este desenvolvimento em Portugal. Durante o ano de 1974, quando ainda trabalhava na Crisal, (antiga fábrica do Marquês), num dos dois fornos a tanque que a empresa tinha na altura, foi instalado um processo automatizado de produção de vidro utilitário, (copos, canecas, cálices, pratos, etc.).
Até essa altura, na Marinha Grande, todo este vidro utilitário, era produzido manualmente. Hoje em dia apenas são produzidos os serviços em cristal ou pequeníssimas séries, todo o resto é produzido automaticamente.
Actualmente a empresa Crisal pertence ao grupo Libbey. Nesta unidade industrial, com dois fornos a tanque instalados, com capacidade para 120 toneladas diárias, são produzidas cerca de 100 milhões de peças utilitárias ano.
Outro dos sectores em que a evolução mais se fez sentir, foi no da embalagem de vidro. Neste sector Portugal têm várias empresas das mais modernas da Europa. Três estão instaladas na Marinha Grande: Gallo Vidro, Santos Barosa e Barbosa e Almeida.
A Barbosa e Almeida tem quatro empresas na Península Ibérica, produz anualmente 2,5 Biliões de embalagens em vidro, em oito cores diferentes.
A Santos Barosa é actualmente a empresa que produz vidro, mais antiga da Marinha Grande.
Fundada em 12 de Novembro de 1889, no seu início só produzia vidro plano. Em 1894 dedicou-se também à “garrafaria” e à “cristalaria”, actualmente produz vidro de embalagem.
Até ao século XX, todo o vidro era produzido manualmente, embora tivesse sido introduzida gradualmente diversa maquinaria. No entanto, a mão do vidreiro esta sempre presente.
A partir de 1940, com o desenvolvimento na produção do vidro plano e posteriormente com a descoberta do sistema Float, deu-se uma alteração bastante profunda dentro da indústria vidreira.

Os anos 50 trouxeram um novo desenvolvimento, com o vidro de embalagem. A reviravolta final, deu-se nos anos 70, com a cristalaria automática.
Foram criados subsectores de actividade, onde a cristalaria manual perdeu influência, tendo começado a ser relegada para último plano.


O quadro que apresento, em seguida, mostra a evolução que a indústria vidreira teve em Portugal e em particular na Marinha Grande.

Região Demarcada do Vidro
da Marinha Grande
Sec, XXI
Vidro Plano
Vidro de Embalagem
Cristalaria Automática
Cristalaria Manual
Anos 70
Cristalaria Manual
Anos 50
Cristalaria
Anos 40
Indústria Vidreira
Até Séc. XX
Indústria Vidreira

Informação cedida pelo Senhor Director do Crisform, Dr Sousa Lopes


A esta evolução tecnológica juntou-se a tão falada globalização dos mercados mundiais.
O Sistema Capitalista, a livre concorrência, a procura de mais lucro, acaba por trazer encerramento de empresas e a procura de mercados, em países com mão-de-obra mais barata, e com trabalho infantil em larga escala.
Esta situação leva ao desemprego inúmeras famílias, os dramas sociais passaram a fazer parte do dia a dia de muitos daqueles que, durante dezenas de anos, trabalharam nesta profissão.
A tendência no sector manual do vidro (cristalaria) será para ficar uma ou outra empresa, com poucos operários, que se disponham a fazer pequenas séries de artigos, cuja produção não seja compensatória em sectores automatizados.
Pequenos estúdios, onde se possam executar peças manuais, poderá ser outra aposta no futuro.
A colaboração entre alguns jovens designers e alguns, poucos, vidreiros, que ainda acreditam ser possível continuar a trabalhar o vidro manualmente, poderá ser outra solução.
Os próximos tempos não serão de facilidades, mas ainda continuo optimista!...

A Reciclagem, o Meio Ambiente e a Higiene e Segurança na Indústria Vidreira



Depois de ter apresentado as várias potencialidades do trabalho em vidro, ficaria incompleto o meu trabalho se não abordasse o problema da reciclagem associada ao meio ambiente e ainda os aspectos de segurança e higiene para quem trabalha no sector. Vou começar por falar na reciclagem.
Em Portugal a reciclagem de vidro foi das primeiras a ser implementada, lentamente, ao longo dos anos, um pouco por todo o País.
Pode dizer-se que foi a partir de 1990 que se começou a fazer a recolha de vidro, com intenção de o reutilizar como matéria-prima na indústria vidreira, no sector da embalagem.
Na pesquisa que efectuei, o primeiro valor que consegui encontrar faz referência ao ano de 1990, tendo sido recolhidas cerca de 11000 toneladas de casco, (nome que é dado ao vidro quando reciclado) que, em vez de ser depositado nos aterros sanitários, voltou aos fornos de fusão, substituindo assim as cerca de 12 400 toneladas de matérias – primas necessárias para se ter as onze mil toneladas de vidro.
Exemplo:
1000 Kg de vidro reciclado = 1000 kg de vidro fundido
1240 Kg de matérias-primas = a 1000 kg de vidro fundido
Encontrei dois resultados referentes à utilização de vidro reciclado.
A empresa Saint-Gobain Mondego, situada na Figueira da Foz, na sua produção, utiliza 55% de vidro reciclado.
A Barbosa e Almeida, situada em Avintes, utiliza, na sua produção 80% de vidro reciclado, para obter vidro verde para engarrafamento do vinho do Porto, estando até a importar vidro reciclado de alguns países da Comunidade Europeia.
Existe em Portugal, na zona industrial de Anadia, uma empresa de capitais Espanhóis, que se dedica ao tratamento de vidro reciclado, para posterior utilização.
Para além das matérias-primas que se podem poupar com a reciclagem, é de salientar também a poupança nos gastos energéticos (gás e electricidade), que resulta da utilização do casco.
Exemplo:
O casco para ser fundido necessita de uma temperatura a rondar os 1200 graus, a composição necessita de 1450 graus.
O processo de fusão do vidro tem um impacto negativo no meio ambiente, devido à grande quantidade de CO2 que é libertado na atmosfera, embora as grandes empresas que fazem a fusão de grandes quantidades de vidro estejam apetrechadas com modernos equipamentos, nomeadamente electrofiltros, que ajudam a controlar a emissão dos gases.
O mesmo não acontece nas pequenas unidades industriais, que se dedicam ao fabrico manual do vidro. Não tenho conhecimento de nenhuma que tenha qualquer protecção contra a emissão de CO2 na atmosfera.
Também é bom lembrar que todo o vidro que seja colocado nos aterros sanitários, ou em qualquer outro local, aí ficará ETERNAMENTE, porque segundo os cientistas, o vidro precisa de muitos milhares de anos para se degradar.
O vidro, para além de ser um dos mais belos materiais descoberto pelo homem, tem a particularidade de poder ser 100% reciclado. Em todas as empresas que fazem a fundição de vidro todos os seus desperdícios voltam ao forno, incluídos na composição.

Eu não sou, no que toca a reciclar, exemplo para ninguém. Não é por não saber o mal que causam ao meio ambiente todos os resíduos que não são reutilizados, mas por diversas questões económicas e políticas.
Por exemplo, o grupo Sonae que detém a maior parte do capital das empresas Barbosa e Almeida, situadas na Marinha Grande e Avintes, utiliza 80% de vidro reciclado, tanto nacional, como importado da Europa. Assim sendo, justificar-se-ia que contribuíssem mais para a recolha do vidro reciclável, ainda que os seus objectivos sejam meramente económicos.
Porém, eu, para colocar no vidrão as garrafas de cerveja, com objectivos ambientais, tenho de andar com elas num saco, cerca de três quilómetros. Já quis comprar um pequeno Ecoponto para casa e, no Supermercado Modelo (grupo Sonae), tinha de pagar cerca de 15 €.
Situações destas levam-me a optar pela compra de produtos em garrafas reutilizáveis, o que se torna menos dispendioso e mais vantajoso a nível ambiental.
Na época em que estive na Alemanha a trabalhar, já lá vão 17 anos, tinham um sistema de reciclar todo o tipo de resíduos, que pode bem servir de exemplo para Portugal. Todas as casas tinham vários baldes para separar os resíduos e, semanalmente, era feita a recolha casa a casa, seguindo um mapa previamente distribuído. Reciclar era algo que toda a população daquela pequena vila fazia, com a maior das naturalidades.
Nas questões políticas apenas um pequeno comentário: o maior poluidor do meio ambiente, os Estados Unidos da América, é o país que mais entraves põe àqueles que querem um mundo mais limpo e saudável. Foi assim com o protocolo de Quioto e tudo indica com o de Bali.

A necessidade de observar regras de Higiene e Segurança no Trabalho, numa empresa vidreira, coloca-se do primeiro ao último minuto.
Os trabalhadores que trabalham na secção em que é feita a mistura que posteriormente será introduzida no forno para ser fundida, são os que estão mais sujeitos às doenças provocadas pelos materiais usados na composição do vidro, sendo a silicose a mais grave de todas.
Nas empresas de grandes dimensões já existem instalações automatizadas, que fazem esta mistura, sem o contacto directo dos operários.
Nas empresas de pequenas dimensões, inclusive também aqui nas instalações do Crisform, a composição é feita manualmente, apenas recorrendo a um misturador. Esta situação leva ao contacto directo com a composição, sendo enorme o risco para a saúde por parte de quem a faz. Embora haja algum equipamento de protecção que ajuda a atenuar os riscos decorrentes desta operação, todo o cuidado é pouco.
O amianto, sob a forma de placas ou fio, foi um material muito usado na indústria vidreira durante muitas décadas. Hoje em dia está proibido, no entanto, ainda há empresas que o utilizam.
Nas empresas que trabalham com cristal há um componente muito perigoso para a saúde dos trabalhadores, o chumbo.
Os trabalhadores que fazem peças com vidros opacos, têm de ter muito cuidado com um dos seus componentes, a criolite.
Tendinites são uma doença profissional comum a todos os vidreiros que trabalham manualmente. Neste momento ando a tratar uma na zona do cotovelo e tenho uma num pulso.

Todos os vidreiros que trabalham na zona de fornos de vidro têm vários problemas, comuns àqueles que realizam trabalho manual ou automatizado. Vou enumerar alguns:
ü Ambiente de enorme calor - pessoalmente já utilizei um pequeno aparelho para medir temperaturas, na zona em que se encontrava a minha obragem a trabalhar, marcava 58 graus. Quem tiver dúvidas não precisa de ir a uma empresa. Para tal basta passar pela zona do forno no Crisform, nos meses de Junho/Julho e ficará a saber as temperaturas a que os vidreiros estão expostos.
ü Queimaduras com vidro - este é um dos maiores problemas de quem trabalha com o vidro. Felizmente, ao longo da minha vida profissional, não tenho tido grandes queimaduras. No entanto, as queimaduras minúsculas, são quase diárias.
ü Os cortes são outro dos grandes problemas. Quem está mais sujeito a eles são os que trabalham na zona de acabamentos.

Os problemas de Higiene e Segurança na Indústria Vidreira, e digo isto muito sinceramente, nunca foram uma grande preocupação dos empresários do sector da cristalaria manual. Um pouco por culpa da situação que o sector tem atravessado, os problemas têm permanecido ao longo dos anos.
Conclusão

Todo o processo, que agora estou a terminar, é fruto de situações muito diversificadas que, de formas diferentes, têm marcado a minha vida ao longo, não direi dos meus 52 anos, mas entre 47 a 48 anos da minha vida pessoal.
Lembro, com bastante clareza, episódios que foram marcantes para mim, a partir dos meus 5º e 6º anos de idade.
Quem me conhece, sabe que os episódios que tentei descrever neste trabalho e que tanto me marcaram, não são fruto do meu imaginário, mas sim das vivências que tenho tido ao longo da minha vida.
Já anteriormente referi esta situação mas volto a salientá-la. As maiores dificuldades que tive foram no anterior processo de equivalência ao 9º ano de escolaridade. Todos os trabalhos que apresentei neste Portefólio, não teriam sido possíveis sem a experiência anterior. Assim, penso que este conjunto de documentos terá sempre de ser visto e analisado como a continuidade do trabalho anteriormente feito, (para mim será o capítulo dois do RVCC).

Este processo vivido desde Agosto de 2006, foi-me muito mais acessível. Tinha mais treino nos textos escritos, logo o Português melhorado, mais experiência a nível do trabalho escrito no computador, maior facilidade de pesquisar na Internet, maior capacidade de leitura, análise e selecção do essencial.
Se é verdade que durante longos anos sempre tive um grande gosto pela leitura (ainda me recordo de ir quinzenalmente à carrinha da Fundação
Calouste Gulbenkian, que ia à minha aldeia, levantar livros para ler, à luz do candeeiro a petróleo), também é verdade que, nos últimos anos, já tinha “parado” de ler regularmente. O processo do RVCC fez ressurgir o gosto pela leitura. Até o “Pai Natal” soube disto, tanto que me deixou dois livros no sapatinho!...
A nível de aprendizagem este processo levou-me a ter formação em Excel e em Inglês nível I. Considerei que estas aprendizagens eram fundamentais para iniciar o 12º ano.
Após o RVCC pretendo prosseguir a formação em Inglês, frequentando cursos de níveis mais aprofundados.
Desta vez vou ser vaidoso e afirmar que considero a minha prestação global bastante boa. Alguns trabalhos, nomeadamente o referente às lutas dos operários vidreiros, embora sejam fruto de uma realidade fortemente marcante na minha vida pessoal, são também uma homenagem a esta terra, com enormes tradições de luta, tanto pela Democracia, como por melhores condições de vida.
A minha vida profissional encontra-se numa encruzilhada. Tenho de seguir dois caminhos paralelos, mas muito diferenciados.
Um dos caminhos está a tornar-se um beco sem saída. É do conhecimento geral: a crise que atravessa o sector do vidro manual, (sector da cristalaria), com reflexos negativos na minha profissão. A este nível o processo do RVCC nada irá mudar.
O outro caminho pode ser mais risonho, quer a nível do artesanato em vidro, quer a nível da formação profissional. Nestas situações tenho a certeza que este processo ainda pode ser muito importante na minha vida. Mas, o mais importante, é a nível pessoal. Tenho-me sentido mais dinâmico e interessado em tudo o que me rodeia e estou inserido. O meu “EU” está mais forte e rejuvenescido.
As competências que quero e vou conseguir adquirir estão ligadas à minha actividade profissional: “sempre o vidro a comandar a minha vida, mas sem ele não sei viver”.
Tenciono este ano candidatar-me ao Colégio dos Mestres Vidreiros, adquirir a carta de artesão vidreiro, frequentar, como anteriormente referi, mais níveis de Inglês, até para poder, em situações que já me têm sido colocadas, estar à altura das exigências.
Sou um dos milhares de Portugueses que têm contestado a política económica, de saúde e obras públicas, seguida pelo governo do Partido Socialista, chefiado pelo Eng. José Sócrates, mas também é verdade que, ao lançar esta iniciativa das Novas Oportunidades, o senhor Primeiro-Ministro está a possibilitar a muitas centenas de milhares de Portugueses, certificar competências com base na própria experiência profissional e pessoal. Ou seja, nem tudo é mau, politicamente falando.
Logo no processo do 9º ano considerei a experiência óptima. Ao concluir a parte final desta nova etapa, continuo a afirmar que foi muitíssimo interessante toda a experiência vivida.
Por último, apenas quero afirmar que esta vivência, na qual tentei dar o meu melhor, só foi possível pelo acompanhamento feito pelos formadores de todo o
processo de RVCC. A todos eles, neste momento, não seria elegante da minha parte individualizar algum, apenas quero dizer, muito, muito obrigado!
Se me for permitido gostaria de dedicar este meu trabalho à Marinha Grande e a todos os vidreiros desta maravilhosa terra, reconhecidos e homenageados no poema de Francisco Moita que a seguir apresento.
Este é o meu profundo sentimento e continuarei a dizer: “O vidro é a alma da Marinha Grande”.

Poema : Mãos vidreiras

Poema: Mãos Vidreiras
Autor: Francisco Correia Moita

Olhai para estas mãos que aqui vedes
Já foram pequeninas e mimosas
Leves e macias como lírios
Rosadas e frescas como as rosas
Mãos que foram dóceis em criança
Hoje são áridas brutais
Não tendo a graça das ilustres
Valem certamente muito mais

Mãos vidreiras
Que o gás do forno queimou
Mãos vidreiras
Que o trabalho calejou
Mãos vidreiras
Que só fazem obras d’arte
Mãos que sabem ser vidreiras
Honradas em toda a parte

Olhai para estas mãos trabalhadoras
Pelo rigor da vida transformadas
Mãos que nunca foram ociosas
Mas pelo trabalho calejadas
Mãos que se irmanam com o fogo
Trabalhando o vidro em fusão
Mãos que são a alma de um povo
Na sua dura vida e em duro pão