quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A história da minha vida

Escrever a história da minha vida não é tarefa fácil, pois corresponde a meio século de existência, repleta dos mais variados episódios, de vivências, aprendizagens e experiências que me conduziram ao homem que sou hoje!...
Há muitos anos li um livro, do grande poeta Chileno, Pablo Neruda, “Confesso que Vivi”, embora não tenha a pretensão de me comparar a Neruda, vou tentar seguir um pouco o seu raciocínio, Que neste caso será o meu, vou relatar os episódios mais marcantes da minha vida, para que, no final, também possa dizer: “Confesso que tenho vivido”.
Nasci no dia 29 de Novembro de 1955, na freguesia do Couço, concelho de Coruche. Fui baptizado com o nome de Alfredo Joaquim Poeiras. E refiro este facto, porque também ele parece ter querido marcar o meu percurso existencial, devido ao simbolismo desta aldeia.
A Vila do Couço é um símbolo da resistência ao fascismo. Em 10 de Junho de 2000, o Povo do Couço foi agraciado por Sua Excelência o Senhor Presidente da República com a condecoração: Membro Honorário da Ordem da Liberdade.

No início dos anos 60 os meus pais foram viver para o concelho do Bombarral, devido a essa situação fiz a 1ª classe na Escola Primária do Bombarral; o resto da escolaridade obrigatória foi feita na minha aldeia.
Nos anos de infância que vivi no Bombarral, lembro-me de dois episódios marcantes:
O nascimento do meu irmão e uma viagem de mota com o meu pai à prisão de Caxias, para fazer uma visita a dois tios e duas tias, presos políticos.
Como só os meus pais podiam entrar, pois tinha apenas seis anos, fiquei da parte de fora da prisão, sozinho, cerca de duas horas. Lembro-me, como se fosse hoje, que um guarda da GNR, foi ter comigo e me perguntou se eu tinha sede. Depois trouxe-me água numa caneca de barro.
Estas imagens da prisão recordam-me o rigor do regime que separou a minha família e me impediu de acompanhar os meus pais.

O ano de 1963 foi horrível para mim. Os meus pais separaram-se, o meu irmãozito faleceu. Eu fui viver para casa dos meus avós maternos, na aldeia do Couço. A minha mãe foi trabalhar como empregada doméstica.
Conclui o exame da 4ª classe em Julho de 1966, escolaridade obrigatória naquela época e, pelos motivos que anteriormente referi, esperava-me o mundo do trabalho. Vim então para a Marinha Grande, para casa de um tio, na companhia da minha mãe e aí ficámos a viver.
Criança que eu era, fui obrigada a transformar-me em adulto muito rapidamente. Uma semana depois, no dia 14 de Outubro de 1966, às seis horas da manhã, fui trabalhar para a empresa Crisal. Foi o primeiro dia, de toda uma vida que iria ser dedicada a trabalhar o vidro. Primeiro como aprendiz, a fechar o molde e a “levar acima”, depois, ao longo dos anos, percorri todas as categorias profissionais existentes na indústria vidreira, no sector cristaleiro, até chegar a oficial no ano de 1991.
Cedo aprendi a dureza da vida de um operário e senti a injustiça de receber um “magro salário”

O início dos anos 70, foi para mim um período muito importante. O homem que sou hoje começou a ser formado nesses difíceis anos.
Ainda com 14 anos, era na altura já colhedor de marisas, fui um dos impulsionadores de uma greve dos “miúdos” na Crisal. Nessa luta conseguimos um aumento salarial de 7$50 por dia. Na altura ganhava apenas 25$00 por dia, foi o início da minha tomada de consciência para o problema da “exploração” social.
Paralelamente ao mundo do trabalho, fui realizando outros sonhos. Em 1971 comecei a praticar futebol na Sport Lisboa e Marinha, tendo sido atleta desta instituição durante três maravilhosos anos. Pratiquei futebol, futebol de salão e pingue-pongue durante muitos anos.
Adoro o futebol, sou adepto do maior clube do mundo: o Benfica.

Em Outubro de 1973, comecei a envolver-me no combate político, contra a ditadura Fascista, primeiro no Movimento da Juventude Trabalhadora, depois na CDE (Comissão Democrática Eleitoral). Aconteceram então as últimas eleições do regime fascista, considerada por muitos, como sendo uma verdadeira farsa. A Marinha Grande foi uma das muitas localidades em que se tentou boicotar o acto eleitoral, em consequência disso o regime mobilizou as forças repressivas, para tentar travar o protesto.
Foram três dias de confrontos permanentes na rua. Num desses confrontos, fui atingido por uma “ chibatada” da polícia de Intervenção.
A partir desse dia, o regime fascista, ganhou mais um forte opositor.

Entretanto, em Março de 1974, o regime fascista agonizava, a guerra colonial ceifava vidas dos jovens Portugueses e Africanos.
A classe operária vidreira iniciava mais uma luta por salários mais justos e melhores condições de vida. Foram três dias de greve contínua, na frente dessa luta na Crisal esteve a juventude. Eu fui um deles!
Luta esta que antecedeu o 25 de Abril, marcado na minha memória e na de todos os que viveram essa data histórica, com esta música e letra que assinala o fim do regime fascista, em Portugal, pois ela foi a senha final que determinou a saída dos militares para as ruas de Lisboa.

Grândola Vila Morena
Letra e música de José Afonso
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordenaTerra da fraternidadeGrândola, vila morena
Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade

Após a madrugada libertadora de 25 de Abril, por diversas vezes fui abordado por militantes do Partido Comunista Português no sentido de me convencerem a aderir ao Partido. Na altura, não aceitei.
Durante vários meses, recolhi toda a informação possível sobre o PS e o PCP.
Oscilei entre um e outro partido. Posso dizer que foi o Dr. Mário Soares que me afastou do PS, num comício no pavilhão da Embra. Depois de ouvir atentamente o seu discurso, decidi que militante do PS não seria.

Ao longo dos anos fui desenvolvendo uma grande actividade sindical. Quando o sindicato dos vidreiros assumiu contornos nacionais, fui dos primeiros vidreiros a aderir.
Mais tarde, aquando da discussão da lei da Unicidade Sindical, as posições entre o PS e o PCP agudizaram-se; o PS contra e o PCP a favor. Foi então que tomei a decisão de aderir ao Partido Comunista Português, três dias antes do 18 de Janeiro de 1975.
Esta decisão iria mudar toda a minha vida durante mais de uma década, porque tudo aquilo em que me envolvo é de alma e coração e foi isso que aconteceu quando aderi ao Partido.
A minha consciência politica foi aumentando e dois meses depois tornei-me um dos fundadores da União das Juventudes Comunistas, passando a fazer parte da sua Comissão Central, cargo para o qual fui sendo eleito nos vários Congressos até 1982.

Esta militância no PCP, na UJC e mais tarde com a fusão das organizações de jovens do Partido na JCP, deu-me a oportunidade de conhecer vários países do campo socialista.
Visitei a Checoslováquia duas vezes, uma em 1975 e outra em 1976.
Em 1976 tive a oportunidade de visitar dois dos locais mais conhecidos da Checoslováquia:
- Lidice, a vila mineira que foi arrasada pelos Nazis, em 1942, depois de fuzilarem todos os homens, mesmo os mais jovens, de modo a exterminar toda uma classe operária.
- Terezim, campo de concentração Nazi, libertado pelo Exército Vermelho, em 8 de Maio de 1945.
Um mês depois de regressar da Checoslováquia, em Setembro de 1976, assentei praça na Armada Portuguesa. Devido a um problema grave de saúde, na semana anterior ao juramento de bandeira, entrei no hospital da Armada, tendo sido considerado incapaz para o serviço na Armada três meses depois.
Foi o fim da minha experiência militar.
Em Maio de 1978 visitei a Mongólia, numa delegação oficial ao Congresso da Juventude Revolucionária Mongol.
Visitei na mesma viagem, pela primeira vez, a URSS, embora só tenha estado em Moscovo.
Em 1979 voltei a Moscovo desta vez para estudar. Estive 7 meses no Instituto de Ciências Sociais de Moscovo.
O Partido Comunista, nos anos em que fui militante, dedicava bastante atenção à formação política e ideológica dos quadros operários, que era o meu caso. É do conhecimento geral as relações que existiam entre o PCUS e o PCP, havia um protocolo, entre as duas organizações, que levava, todos os anos, vários militantes do PCP a estudar em Moscovo.
No fundamental estudávamos história da URSS, Economia Política, Filosofia, Teoria e Táctica do Movimento Comunista Internacional.
Esta minha estadia na URSS, para além da parte teórica que tive, foi bastante importante para o conhecimento do povo russo, em tudo diferente do povo português: língua, hábitos, cultura, formação escolar, etc. Recordo que, em 1979, a escolaridade obrigatória já era o 10º ano. Os menos aptos não entravam no mundo do trabalho sem frequentar um curso profissional. Os que entravam na faculdade, se reprovassem sem justa causa, ingressavam nos cursos profissionais. Basta este exemplo para se compreender a distância cultural, ideológica e política a que estávamos deste povo, também fiquei a conhecer os princípios em que assentava a Economia Soviética, em tudo diferente da economia Capitalista.
Nessa estadia visitei Leninegrado e Baku.

Tive também o privilégio de assistir ao desfile do 1º de Maio, na Praça Vermelha, assim como à sessão solene do aniversário de Lenine, no Palácio dos Congressos do Kremilin.
Todas estas experiências foram extremamente enriquecedoras. Outra língua, outra cultura, outras “ gentes”, no extremo oposto da Europa, fizeram de mim um jovem ainda mais dinâmico e lutador.

De regresso a Portugal, em 1980, conheci uma moça natural do Alto-Douro, de uma freguesia do concelho de Alijó. Após um curto namoro de um ano, casámos em Maio de 1982.
Do nosso casamento temos uma filha linda, com 24 anos.
Já passaram 25 anos, de muitas alegrias, algumas dificuldades, mas no fundamental de muita felicidade, pois como já referi anteriormente, considero ser característica minha o entregar-me de alma e coração a todas as minhas opções de vida.
De entre as dificuldades recordo o ano de 1986, período muito complicado para mim e para a minha família. Em consequência das graves crises que atingiram a indústria vidreira, com vários meses de salários em atraso, com uma filha pequena, apartamento para pagar, vi-me na situação de rescindir contrato de trabalho com a empresa.
Trabalhava na Ivima desde 1974, altura em que os trabalhadores da Crisal foram transferidos para aquela unidade fabril.
Durante os anos em que trabalhei na Ivima, fui eleito várias vezes delegado sindical, assim como membro da comissão de trabalhadores, assumindo o papel de mediador entre o patronato e os trabalhadores e colocando em 1º plano a defesa dos direitos dos operários, que, como eu, procuravam dar o seu melhor contributo para criar riqueza na empresa.

Quando saí da Ivima, entrei também em rota de colisão com o Partido Comunista Português. Alguma desilusão que me acompanhava desde que voltei da URSS, também algumas quezílias políticas internas, levaram-me a pedir a minha demissão do PCP.
Embora continue a ser um homem identificado com os valores da esquerda, não milito em qualquer partido político.

Estive cerca de dois anos desempregado, até que em Março de 1988, passei a fazer parte dos quadros da empresa Marividros.
Em 1991 estive com licença sem vencimento durante 3 meses, a trabalhar na Alemanha, numa empresa da área do Cristal, tendo regressado à Marividros, até ao seu encerramento, em Junho de 2006.
Quando do encerramento da Marividros, voltei a ter mais um percalço na minha vida, como a minha esposa também trabalhava na empresa, ficamos os dois desempregados.
Embora eu tivesse voltado a trabalhar de imediato, o mesmo não aconteceu à minha esposa, que se encontra desempregada, desde essa altura. Em consequência desta situação, a minha esposa, que toda a sua vida tem sido de uma dinâmica extraordinária, entrou num processo de depressão nervosa, que não sei onde a conduzirá. Espero que com a minha ajuda, bem como dos familiares e amigos, ela consiga ultrapassar esta situação.
Infelizmente ela não é um caso único, pois a saúde física e mental dependem de variados factores, entre eles o direito ao trabalho e à estabilidade emocional. Segundo um estudo que vi há relativamente pouco tempo, esta é uma situação vivida por cerca de 2,5 milhões de Portugueses, um quarto da população Portuguesa, o que a avaliar pelos números crescentes e preocupantes do desemprego no nosso país, dentro em breve em vez de um problema passamos a ter dois: desemprego e saúde/ equilíbrio emocional dos cidadãos.
Na realidade a vida é uma luta constante pela sobrevivência e é nessa perspectiva que vamos vivendo o dia a dia, estando eu actualmente a trabalhar na empresa Crisvidro.

A partir da década de 90 a minha vida profissional tem tido vários motivos de grande interesse.
Em paralelo com a actividade industrial, comecei a ter uma actividade na área do artesanato em vidro.
Esta última tem-me levado a vários pontos do País e de Espanha, para realizar demonstrações ao vivo. Possuo um pequeno estúdio móvel que me permite apresentar as referidas demonstrações.
Esta actividade secundária, para além do prazer que me dá, possibilita-me ganhar mais uns “trocos”, sempre úteis, para quem não tem um ordenado elevado.
Actualmente o meu ordenado situa-se em 720€ líquidos, parece mentira, para quem está no topo da profissão e caminha para 42 anos como profissional, mas é a verdade nua e crua.
Como também comercializo as peças que executo, sou eu próprio que faço os orçamentos, em seguida apresento um orçamento pedido pela equipa do RVCC

Na sequência desta minha actividade, frequentei o Curso Pedagógico Inicial de Formação de Formadores, tendo começado a colaborar regularmente com o Crisform, tanto como formador, como na execução de peças em vidro.
Tenho 52 anos, mas já posso, confessar: “eu também tenho vivido”.
Em 2006 obtive certificação ao nível do 9º ano de escolaridade e desde logo assumi que iria continuar este processo de validação das minhas competências pessoais. Ao avançar para este trabalho, com vista a obter certificação de nível secundário – 12º, só podia seguir um tema:
O VIDRO.

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